30 dezembro 2010
09 novembro 2010
13 outubro 2010
Mistérios de Lisboa
"...Gosta de mim, senhor Barão?
Esta pergunta de improviso, espécie de disparate com que a duquesa fechou o período. atarantou o fidalgo, a ponto de lhe roubar provisoriamente, a correcção da frase portuguesa, e mais ainda o dom de articular as poucas palavras com que se colhera da emigração(...)
- Não me responde?! Tornou ela, decifrando as revoluções que se alternavam na fisionomia grotesca do barão. - O seu silêncio, cavalheiro, não é delicado. Franqueza: gosta de mim?
- Se gosto de Vossa Excelência!...devora-me o ciúme. como não há-de ser palpitante o meu amor.
- Não me capacito...Desconfio sempre das paixões que fazem estilo. Acho que a pequenez do amor está na razão inversa da grandeza das palavras. Simplifique as suas respostas senhor Barão. Gosta de mim?
- Imensamente.
- Aí esta uma palavra muito grande!...Assim não quero. Tenho cisma com os advérbios...Não fuja do verbo da pergunta. Terceira vez: gosta de mim?
- Como quer que lhe responda?...Não há linguagem humana que responda convenientemente a tal pergunta.
- Pois não há? Ora, Barão, pergunte-me se gosto de Vossa Excelência.
- Gosta de mim?
- Gosto. Aqui tem!...há lá nada mais natural? Já sabe como eu quero o estilo em matérias de amor. Outra pergunta: que quer de mim?
- Adorá-la, amá-la eternamente; beijar humildemente os seus vestígios, dar a última gota de sangue pelos seus suspiros, contempla-la estaticamente...
- Três advérbios que somam dezasseis sílabas. Não me ame assim. senhor Barão. Não vê que tudo caminha para o espiritualismo? Subtilize as suas frases, espiritualize-as, basta de matéria indispensável!...Que quer de mim? Não me responde!...Não me quer nada!...Ora vejam que amor tão frio!...Nem tanto espiritualismo, cavalheiro...Peca pelo extremo!...Se me dissesse francamente que me queria fazer sentir o ardor do seu sangue, as palpitações das suas artérias. o aroma dos seus suspiro, as lúcidas cambiantes dos seus belos olhos...eu diria que o estilo é uma bonita maneira de encobrir certos pensamentos, que não tem estilo nenhum, pelo menos autorizado nos bons clássicos franceses e portugueses. Ora agora...amar-me eternamente, beijar os meus vestígios humildemente, contemplar-me estaticamente, tudo isto , além de ser impossível no estado actual do coração humano, é uma promessa assustadora, e um futuro insuportável que me anuncia. Amar eternamente!...Deus nos livre disso, não há amor que resista a vinte e quatro horas de filosofia! Eu de mim não aceito o programa; sem me promete amar-me três dias...
- É impossível!...Abandone-me; mas eu hei-de amá-la enquanto sentir no coração uma gota de sangue!
- É sanguinário, Barão! Já me falou em sangue duas vezes!...Adopte uma linguagem mais pacífica. Não gosto de Catões no amor. O sangue será muito proveitoso nas funções da vida animal; mas no nosso caso, dispensa-se. Acho-o até prosaico...
O barão abria a boca, e franzia a testa. O que ele exprimia com semelhante careta, não saberemos nós dizê-lo, nem a duquesa o saberia."
Mistérios de Lisboa - Camilo Castelo Branco (1825-1890)
30 setembro 2010
24 setembro 2010
18 setembro 2010
Para a minha princesa que vive muito longe...
" Girl holding bird" - Rachele Unter
A menina e o pássaro encantado
"Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado. Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias.
A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…— Eu também terei saudades — dizia o pássaro.
— Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado.
E tu deixarás de me amar.Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. É, eu tenho de partir. É preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro."
Ruben Alves
03 setembro 2010
27 agosto 2010
17 julho 2010
Saudade...
"No dia seguinte,logo de manhã, o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
-Bom dia, bom dia, bom dia - disseram a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
-Bom dia - disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
-Trago-te aqui uma flor da terra -disse; chama-se rosa.
É linda,é linda- disse a Menina do Mar,dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
-Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
A Menina pôs a cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente. Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
-É um perfume maravilhoso. No mar não há perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
-Isso é por causa da saudade- disse o rapaz.
-Mas o que é a saudade?- perguntou a Menina do Mar.
-A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora."
"A Menina do Mar"- Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
09 julho 2010
03 julho 2010
Mudar...
30 junho 2010
18 junho 2010
Saramago
"São onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda."
Memorial do Convento - José Saramago (1922-2010)
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